quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Tentativas de rimar com mar




Policial
O que não tem lugar
Solitária
A que se perdeu no caminho
O olho que tudo vê 

Praça Pública.
Em meio à multidão a MENINA sai do metrô, quase certa de que decidiu tomar o caminho errado. Entre as dúvidas sobre o que é certo ou errado, seguiu adiante procurando um CAMINHO.
- Com licença senhor, sabde me dizer como faço pra chegar nesse caminho?
O que não tem lugar: - Também me perdi por esse mundo aqui. Sabe que meu sonho era ser navio, mas acabei virando pedra?! Sabe, meu sonho era ser um rio passante e corrente. Mas acabei poça d’água. Dessas que só serve pra encharcar... Sabe que é muito fácil fazer metáfora com mar? Que a água parece que movimenta e expressa igualzinho a gente. Só que ela vai mesmo. A gente fica guardando as águas em movimento até que uma hora transborda. Mas, tarde demais. Gente tem vergonha do que sente... Sentir é de graça e gente não sabe fazer a contabilidade do que é de graç...
MENINA sai em busca do que quer ouvir. E deixa O que não tem lugar sem o que dizer. Um POLICIAL chega com todo o ar bonito de um policial.  Ela, pensando que um policial é a pessoa ideal para respostas certas:
- Senhor...
Policial:
- Já disse que aqui o senhor não pode ficar.
O que não tem lugar: - mas que lugar eu posso ficar se o senhor me manda embora de cada canto que eu me enfio?
Policial: Só estou seguindo ordens. E ordens claras de que numa praça pública as pessoas não podem ser incomodadas de seus descasos (corrige) descansos.
O que não tem lugar: - Mas a quem incomodo se ninguém tá me vendo?
Policial: Ordens são ordens. Se fossem filosofias, seriam filosofias.
O que não tem lugar sai em busca de outro canto, sendo ele a única pedra que pode ser soprada pelo vento leve. A solitária está lá dentro de sua casa-própria chamada corpo. Longe de tudo e todos, mal percebe o que há no entorno, e mesmo assim escreve cartazes e mais cartazes. Seu grito-mudo desesperado.
Procura-se alguém pra dividir o guarda-chuva.    
   SOLIDÃO
   TAMBÉM
ACOMPANHA ...
procura-se acompanhante   
                                                           
Eu quero a sorte de um amor tranquilo.    

Não trago seu amor de volta,
mas te dou o meu que também é bom.

Solitária (como quem anuncia um produto): Procura-se um amor que também me procure, que me queira e me ame desesperadamente. Que seja simples e que dure. Que seja mágico. Que seja um relacionamento sério ou engraçado. Mas que faça com que a existência seja válida, ou ao menos suportável. Procura-se e procura-se tanto que aceita-se pagar recompensa. Procura-se certezas. Procura-se chegadas. Chega de navegar pelo triângulo das bermudas. Procura-se alguém que aceite aceitar minhas imperfeições tantas, e que queira querer o meu lodo, a água de lastro que me põe em pé ao mesmo tempo que desequilibra todo meu sistema... Procuro. Procuro. Procuro. Procuro um porto pra ancorar.

- A senhora sabe me dizer onde fica esse lugar?
Solitária: Sinto, mas não posso ajudar, estou na minha interminável busca pela linha de chegada: O AMOR. Aliás, menina, você o viu por aí?
- Hm... Como ele aparenta ser?
Solitária: Eu não sei. Por isso estou procurando.
- E como que a senhora procura alguma coisa que não sabe nem o que é?
Solitária: E você sabe como vai ser quando chegar aonde quer chegar?
-  É... Não.
Solitária: Então.
- Então o que?
Solitária: Dá na mesma. Estamos no mesmo barco, navegando num lago.
- E esse lago tem patos?
Solitária: Patos? De onde você tirou patos?
- Ué. Do lago da senhora mesmo.
Solitária: Um lago hipotético não tem patos.
- O meu tem. Vários.

O que não tem lugar: - sabe, Seu autoridade, água parada cria bicho.
Policial: - Que bicho o que...
O que não tem lugar: - minhoca na cabeça. É só o que o senhor tem. Aposto que não sabe nem de que lado está.
Policial: - Essa é fácil. Do lado da lei.
O que não tem lugar: A lei de quem? A de Deus? A dos homem?
Policial: Agora você me pegou.
O que não tem lugar: Quem não sabe o que procura, não reconhece o que encontra.
Policial: Essa aí eu já ouvi. É piada?
O que não tem lugar: - Ditado popular. Ou filosofia de alguém.  Quem se importa? Já foi meu tempo ...
Policial: - Mas se for pensar até faz sentido. Aliás, me desculpe o mau jeito. É que lei é lei. E há de cumprir-se. E não adianta o senhor me enrolar com esses dizeres. Aqui o senhor não pode ficar.
O que não tem lugar: - Não tá vendo que eu não tenho teto. O senhor agora quer tirar o meu chão? Assim não dá. Se o nome disso é praça pública, cabe todo mundo aqui. De mendigo a patrão. E também não adianta o senhor vir com essa roupinha de quem sabe onde está. O senhor pode ser a margem que comprime o meu rio, mas não faz minha água parar, e meu rio vai percorrer isso aqui tudo. Seu autoridade, com todo respeito, eu sou uma tarde de calmaria. Mas se for preciso, também sei inundar.
Policial: - tá bom, hoje o senhor pode ficar. Mas vou logo avisando que amanhã ...
- Seu Policial. Será que você pode me ajudar?
Policial: Estou às ordens.
- Então me explica como eu faço pra chegar nesse lugar?
Policial: Agora você me pegou. Esse caminho eu não conheço.
-  E como é que o senhor chegou onde está?
Policial: - como?
- Ai, deixa pra lá. Antes você fosse um gênio da lâmpada.

A MENINA sai um pouco frustrada. -Quais são as dificuldades de dar respostas às perguntas?
Todas.  Ela ainda não sabe. Nem como começar. É que ela nunca conheceu uma praia. Os barcos são para ela figuras de livros, e ela os aprecia como aprecia a figura de carruagens do séc. XVII.  Tudo nos leva a algum lugar. É confuso mesmo. O rio Tietê que fica perto da sua casa, ela pensa ser um ferro velho que inundou na última tempestade. Ela não sabe explicar porque o tempo seco angustia a garganta e o cheiro de chuva dá saudade de alguém que ela ainda vai conhecer. Essa menina está buscando o mar está buscando a-mar.
 Perdeu-se no caminho de se encontrar e encontrou outra ao se perder. Perdeu-se a caminho do mar. ...? Acho que ficou confuso... Será???????   ?????    ????

(Respira fundo)
Me afoguei em palavras bonitas e por fim não me fiz entender. O entendimento é fundamental. E que fracasso não saber dizer. Está aqui, eu sei que está, essa sensação de que tenho alguma coisa pra dizer. Mas isso é lixo.  Água de lastro de uma vida vazia. Um barco quebrado no fundo do mar. Não serve nem de isca de peixe pequeno.  Não sei ser cais, nem ancora, nem porto-pra-alguém-chegar. Só sei ser ar. Palavras fincadas numa terra seca de cortar gargantas. Não sei chover. Não sei ser mar. (levanta-se deixando sua história frustrada jogada pelo banco molhado da garoa de todo dia)
- Moço. O senhor sabe onde é que fica esse endereço?

Menina, você vai passar a vida toda procurando, e perigas nunca encontrar. “Navegar é preciso. Viver não é preciso.” Todo mundo acha que falam de Precisar, mas o poeta fala sobre Precisão. Navegar é ciência... Agora a vida... Só paciência mesmo... E pra mim já é a gota d’água.
(O autor sai. MENINA fica sem entender porque é tão difícil apenas apontarem uma direção. Mesmo que a errada).



NOTÍCIA DE JORNAL: Amanhã, se chover, na Praça Pública haverá o lançamento do livro que, segundo os críticos, promete ser o Best-Seller do ano. O livro em si não intriga tanto quanto a história de quem a escreveu. Um simplório morador de rua, que sem ter eira nem beira, escreveu uma grande obra sobre pessoas e águas. Os especialistas chamam-na de pós- contemporânea,  ansiosos estamos para saber o que a grande massa achará.


O autor sorri. 

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